Do Naufrágio Mental a Vice-Campeã Nacional

Há quem diga que nadar no mar é libertador, uma experiência quase espiritual. Eu diria que depende: libertador se o mar não estiver a tentar engolir-te vivo enquanto o teu cérebro grita “aborta missão!” a cada vaga que te acerta na cara.

Foi mais ou menos isso que aconteceu no Triatlo de Setúbal. Os planos eram bons: nadar 1,9 km, sair da água com estilo, fazer um sorriso fotogénico para a câmara e seguir para a bicicleta como se nada fosse. Mas o mar tinha outras intenções: frio, vento e uma ondulação no modo “centrifugar a toda a velocidade”. O meu corpo estava bem — fortíssimo, até. Mas a minha cabeça? Essa deu meia volta na segunda bóia e decretou: “Hoje não, minha amiga.”

Podia ter chorado em posição fetal (e talvez tenha considerado), mas em vez disso voltei a fazer o que qualquer triatleta sensato faria: mergulhei de cabeça na Swim4Fun.

Passei a comer ondas ao pequeno-almoço, com a Bibiana a lembrar-me (vezes suficientes para entrar na cabeça) que o mar não morde. Fiz várias aulas, reforcei a confiança e a técnica… e, aos poucos, fui percebendo que talvez o problema não fosse o mar. Talvez fosse só eu, a dramatizar com talento.

E foi assim, com sal nas veias e treino na bagagem, que cheguei ao Triatlo Sprint de Oeiras. Aqui são “só” 750 metros de natação em mar calmo — parecia uma piscina zen — mas claro, com um plot twist: largada praticamente conjunta de todos os atletas, naquela imensa e espaçosa Praia da Torre (ironia, caso não tenham apanhado). Resultado? Um pandemónio aquático de braços, pernas, toucas e expressões de pânico. Aquilo não era natação, era boxe aquático com obstáculos humanos.

Mas sabem o que foi diferente? Eu. Consegui manter a calma. Nadei como quem atravessa o supermercado em hora de ponta: estratégica, com foco, desviando dos carrinhos (leia-se: outros atletas) e escolhendo a melhor linha para não ser atropelada por um cotovelo flutuante.

Saí da água tranquila, sem dramas, sem planos de fuga, e a pensar: “Olha, afinal até sei nadar.” Nada mau para alguém que há umas semanas achava que se ia afogar só com o barulho das ondas.

Mas este texto não acaba sem um agradecimento gigante à Bibiana — a treinadora que já me viu em dias bons, maus, e nos de mar estilo tsunami interior. Obrigada, Bibs, por me ajudares a transformar desistências em vitórias — e por acreditares em mim mesmo quando eu quero largar tudo e ir vender bolas de Berlim na praia.

Se hoje estou aqui, a rir-me da minha própria novela aquática e com uma medalha pendurada no pescoço, é também por tua causa. Uma treinadora que sabe quando gritar, quando rir, e quando simplesmente te pôr a nadar para fora da tua própria cabeça.

Flávia Ribeiro

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