Swim4Fun à la Forrest Gump…

Já faz algum tempo que o filme “Forrest Gump” fez sucesso nos cinemas, mundo afora, mas o que isso tem a ver com a minha experiencia nadando em águas abertas? ou com meu primeiro treino “longo”? ou com a minha primeira prova?  Das centenas de pensamentos que borbulham na minha mente ao longo das minhas nadadas, decidi que minha experiencia na descoberta da natação em águas abertas pode se resumir da mesma forma que o Forrest descrevia a vida; como uma caixa de chocolates, onde nunca se sabe qual a descoberta que cada chocolate diferente vai trazer.

Meu pai nadou a vida toda. Nos EUA, competiu no nível colegial e universitário, atingindo classificação de “All American”. Trabalhou como nadador salvador e estabeleceu recordes universitários que se mantiveram por muitos anos. Mas não foi através do meu pai que eu cheguei aqui.  Nunca nadei numa equipa ou de forma competitiva.  DETESTAVA ter que ficar fazendo voltas na piscina…

Eu diria que, para mim, tudo começou com o surf, pois foi ali que o meu relacionamento com o mar nasceu. Demorariam quase 40 anos para completar o círculo onde a natação em águas abertas, aqui em Portugal, me traria de volta para o mar, para o meu pai, e para muitas outras coisas além do surf!

Tendo crescido surfando no Brasil, desenvolvi um grande amor pelo mar.  Sempre senti e acreditei que o mar lava as nossas almas, pois não tem como entrar no mar e depois sair a mesma pessoa; tal como também nunca se entra no mesmo mar duas vezes. O mar está sempre mudando, e sempre nos transformando.

Fast-forward. 30 anos após terminar a universidade e ter parado de surfar regularmente, cheguei em Lisboa, de mala e cuia (como dizemos no Brasil) e de olho no mar; cheio de vontade de voltar a me sentir em casa entre as ondas, entre as marés, e junto com as correntezas. Já vinha acompanhando “grupos” no Facebook para surfistas acima de 50 anos; acima de 60; acima de 70 e ate acima de 80, para não perder a fé ou a esperança de poder voltar ao esporte, e de que eu poderia continuar a praticar até ficar velhinho! Mas não sou bobo… tenho respeito enorme pelo mar e conheço os perigos que ali existem; e também sei que tenho que conhecer as minhas limitações. Começar a nadar seria uma forma “funcional” de me colocar em forma e me re-familiarizar com o mar. Foi assim, com esta determinação, que procurei a nossa “coach”, Bibiana. Minha iniciação na natação em águas abertas nasceu junto com a Swim for Fun!

“Bibiana, quero voltar a surfar, mas tenho que voltar a forma e não posso simplesmente começar a fazer travessias sozinho.”  Bibiana responde, “Apareça lá na Praia da Torre, vamos ver em que nível vc está e avaliamos como fazemos. Tem grupo para todos os níveis. Não se preocupe!” Sei que os que a conhecem podem ouvir ela falando…

Assim, no dia 12 de maio de 2024, apareci na Praia da Torre, com meu fato de surf, sem boia e sem ideia da aventura que estava por começar.  Mal conseguia nadar 50 metros sem achar que eu estava morrendo; sem fôlego, sem força e sem noção!

Ao longo de um ano, os treinos com a Swim for Fun foram se solidificando e, na medida que eu ganhava força e consistência, o apoio e a orientação da Bibiana se estenderam para treinos em Denver, nos EUA, onde eu passo duas semanas de cada mês.  Infelizmente, em Denver, meus treinos são sempre numa piscina que não chega aos pês do Jamor e muito menos se compara ao mar, mas permitiu que eu ganhasse consistência e não perdesse os ganhos adquiridos enquanto em Portugal.

Fast forward de novo para 10 de maio de 2025.  Um ano após a minha primeira sessão com a Bibiana, eu iniciava o meu primeiro “Treino Longo”, fazendo a travessia da Praia de Sao Pedro para a Praia da Duquesa; um total de 4km. Mais uma vez, eu não sabia o que esperar da experiencia e muito menos se eu conseguiria completar os 4km.  Foi ali, ao longo da minha primeira travessia, que a ideia da caixa de chocolates do Forrest Gump me veio a cabeça.  Estava sofrendo de delírios? Talvez…

Um dia que amanheceu lindo e uma travessia que prometia condições ideais mudou um pouco.  A correnteza e especialmente o impacto do vento “de contra”, que trazia mais ondas na cara, logo deixou claro que o desafio seria maior do que antecipado.  Ao contornar a península de S. Pedro, deu pra sentir o impacto dessas forcas, quase imediatamente.  Na minha mente, eu estava “ficando para trás” e tinha que me esforçar mais.  Ao mesmo tempo, não sabendo o quanto que os 4km exigiriam de mim, queria poupar as forças e não me cansar rápido demais.  Entre braçadas, quando virava a cabeça para respirar, eu olhava para a costa, notava os prédios e as características da costa e reparei que meu progresso parecia acelerar e desacelerar, mesmo que meu ritmo de nado parecia o mesmo.  Chegando quase ao ponto de 2km, parei para ver onde estava o resto do grupo e notei que eu estava entre os blocos, com alguns bem adiante e outros mais para trás.  Busquei me reorientar para traçar uma linha mais direta para o destino, ao invés de ir ao longo dos contornos da costa.  Decidi que baixaria a cabeça e iria adiante, como um trator em marcha baixa.  Fui monitorando como eu me sentia; se eu cansasse demais, a costa estava ali e, como a Bibiana havia falado, poderia sair a qualquer ponto.  Busquei encontrar um ritmo que mostrasse progresso sem me cansar demais e foi alí que entrei no meu “lugarzinho especial.”  Esse lugarzinho foi a primeira descoberta que fiz, quando comecei a me sentir melhor na água, depois de alguns meses treinando.  Um lugar rítmico, entre braçadas e respiradas, sentindo as partes mexendo em conjunto e, ai então, o ritmo do nado se tornou em um lugar meditativo para mim.  Muito diferente dos primeiros meses difíceis de adaptação e condicionamento. Uma vez que encontrei aquela zona, aquele ritmo, descobri que posso me perder nele. O primeiro chocolate. A primeira descoberta.

Assim, nas condições um tanto quanto desafiadoras desse primeiro treino longo, quando encontrei esse lugarzinho meditativo, pude me abrir um pouco mais para novos pensamentos; novas descobertas.  Uma dessas foi a sensação de proximidade ao meu pai, enquanto imaginava ele treinando quando jovem e como teria sido a experiencia dele. Será que ele curtia da mesma forma que eu? Por um lado, senti conexão com algo que sempre foi uma parte importante da vida dele e, assim, me senti conectar com ele.  Por outro lado, me perguntava como ele se sentiria, ou como ele reagiria, se ele tivesse a experiencia de nado em águas abertas, após uma vida nadando em piscinas.  Essas reflexões foram algumas das primeiras que me vinham naquele estado meditativo, mas muitas outras viriam. Como os diferentes braços de um relógio, eu alternava minha atenção entre os elementos diferentes, também de forma rítmica, olhando os segundos, os minutos e as horas; minhas braçadas, minha respiração, minha orientação e, sim, minha meditação.  Um minuto percebo que não estou fazendo muito progresso; redobro o esforço e o ritmo. Outro minuto vejo que preciso me reorientar. Outro minuto estou pensando na minha mãe que, aos 84 anos, ainda ensina yoga e que uma vez me disse que muitas das “preces” ou “rezas” mais comuns contem “versos” que permitem um ritmo muito bom para a respiração e, consequentemente, para a meditação.  No próximo minute estou experimentando uma “Ave Maria”. Noutro, um “Pai Nosso”. Ritmo. Respiração. Realmente, os versos se encaixam.  As braçadas vem e vão e os pensamentos aleatórios também.  De minuto a minuto, pouco a pouco, o objetivo vai chegando mais perto e ficando maior.  Faço uma auto-análise. Como estou? Ainda tenho folego e não me sinto cansado, mas sinto a energia um pouco mais baixa. Talvez o glicogênio ficando baixo? Paro. Não vejo ninguém adiante e não vejo ninguém atras de mim, mas ainda vejo os Kayaks mais para trás e mais perto da costa. Olho adiante de novo e noto que agora posso enxergar a Praia da Duquesa.  Penso, “Eu chego lá!” Engato meu trator de novo e lá vou eu.  De minuto a minuto e de metro em metro, a praia vai ficando maior.  Alívio. A meta está ao alcance. Quase no mesmo momento desta realização, o vento diminui e as braçadas, a respiração e a tranquilidade vem mais facilmente.  Ao sair do mar na Praia da Duquesa, posso degustar mais um chocolate. Esse trás a realização de algo que a um ano atras eu jamais poderia contemplar.  Uma limitação superada. Uma conquista feita.  Ainda molhado, já me perguntava como essa experiencia se compararia ao próximo desavio; minha primeira prova de aguas abertas. Uma semana depois, eu saborearia o próximo chocolate e esse seria MUITO diferente.

No Oeiras Open Water Race, mais uma vez, me encontrava diante de uma experiencia da qual eu não sabia o que esperar.  Não tinha expectativas de pódios ou medalhas.  Poucos meses antes, eu não sabia se eu sequer poderia fazer 1,500m. Meu objetivo original para a prova era apenas de conseguir completar os 1,500 metros, mas agora eu já sabia que podia e, além disso, vinha de fazer 4,000m. Contudo as circunstâncias eram MUITO diferentes e, assim, a experiencia também seria diferente.  

Minha ansiedade principal era como lhe dar com o percurso entre centenas de outros nadadores.  Cheguei um pouco (bastante) perdido. Um pouco no meu próprio silencio e fui buscar meu lugar na largada.  Nunca tinha nem assistido uma prova dessas, muito menos participado de uma! Fui seguindo os outros, me alinhei onde parecia fazer sentido e conforme a orientação da Bibiana; eu sairia na ponta direita, para poder contornar a primeira boia “por fora” e, assim, evitar a “muvuca” próximo às boias.  Veio ali uma certa sensação de solidão no meio de um mundaréu de gente.  Não tinha como fugir, uma vez na formação; estava, me sentindo um pouco como gado num curral, sendo enfileirado para receber vacina.  Quando a buzina de largada soou, seguida pelas subsequentes buzinadas para cada onda de partidas, só tinha uma direção para ir; para frente . Chegou a minha vez e, incerto, fui.

“Meu Deus! O que e isso?” já me perguntava, antes mesmo de chegar na primeira boia.  Braços e pernas para todos os lados!  Me assustava ao sentir minha mão no pé de outro e me assustava de novo ao sentir as mãos, os pês, os braços e os corpos de outros esbarando em mim.  Aqui, entre tentar me orientar para as boias e, ao mesmo tempo, evitar de esbarrar nos outros, eu estava muito longe da paz, do ritmo, ou da meditação que eu havia sentido no treino de 4km, uma semana antes.  Isso era caos! Aparentemente, isso também é “normal”! 

“Calma!” “Respire!” “Não se afobe!” “Vc sabe que consegue nadar 1,500m e não veio para vencer mas, sim, para se desafiar.” “Vai na sua. Vc chega la.” “Cade a boia?! Nao vejo nada!” “Ah é… a Bibiana disse pra seguir o fluxo… Bom, espero que eles saibam para onde estão indo!” Quase dou risada comigo mesmo, imaginando o mundaréu seguindo na direção errada.  Logo, fica claro que a correnteza não esta nos ajudando tanto quanto o esperado. Cadê a tal “esteira” da qual a Bibiana falou? O esforço é maior do que esperado. “Calma.” “Devagar e sempre…” Cada boia um engarrafamento! Penso, “Vou passar por fora.” Que Alivio ao finalmente virar e começar a nadar no sentido da boia final!  Mais um pouco… Cheguei. Sobrevivi!

Quase imediatamente, o leve terror da minha primeira experiencia de uma prova de aguas abertas já começava a evaporar e passei a tentar refletir, digerir e absorver aquela experiencia absolutamente única na minha vida.  No imediato, já me perguntava se eu queria mesmo repetir uma experiencia dessas… Não sabia se gostei desse chocolate em especial… Foi um pouco como os chocolates com licor dentro deles que eu detestava quando miúdo. Porque me sujeitar a isso? A resposta veio logo; porque gosto de desafios e sei que posso melhorar. Porque se não ha pelo menos um pouco de medo, não pode haver a mesma profundidade de experiencia. Porque sei que ainda existem muitos chocolates que não degustei, experiencias que não vivi e barreiras que ainda não superei.  Ano que vem, farei 57 anos.  Onde estarei aos 60, se em um ano já foram tantas experiencias boas e conquistas inesperadas? Já estou olhando para o horizonte, cheio de gratidão, pensando nos novos “primeiros” e as novas surpresas que me aguardam. 

Chris Lund

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