Porque participar na prova do Douro Bridges

Na verdade, não era bem este o título que queria dar ao artigo. Pensava num título mais comprido, algo que comparasse uma prova num rio tão emblemático, numa cidade nortenha linda, com os pequenos prazeres da vida,  com aquilo que realmente faz sentido para estarmos em harmonia connosco próprios e com o mundo, nestes tempos tão conturbados. Algo do género: porque participar na prova do Douro e porque acreditar que tudo vai melhorar – e vai. Mas comecemos pelo início:

O diálogo

O Porto é uma cidade distante de Lisboa, como todos sabem, e por isso toda a preparação para essa deslocação envolveu organizar como ir até lá, quem podia ir junto e a que horas, onde dormir, que zona escolher (mais perto da prova ou do centro), o que fazer antes e depois da prova. Mensagens para aqui, mensagens para ali, chamadas para fechar o autocarro, decidir o hotel, com quem dividir o quarto. As pessoas ajudando-se, tentando ao máximo resolver esses detalhes juntas. 

A viagem dentro e fora de nós

Ficou decidido que eu e a Ana Rita iríamos logo de manhãzinha cedo, para passear, rever a cidade e perceber como tinha mudado durante estes anos de crescimento turístico. Nós, que a deixámos com as suas casas decadentes e as suas pessoas tão curiosas e verdadeiras… será que agora teria cedido ao glamour chapa 5 das cidades Ryanair? A curiosidade era grande. O Corn chegaria a meio da tarde,  a Bibiana apenas ao final do dia e a Mayra no dia a seguir.

No caminho, recordámos provas, amigos, eventos históricos e políticos; tentámos adivinhar, como numa bola de cristal, o que iria acontecer nos próximos anos. Acho que não parámos de falar nem um minuto, tentando resolver os problemas do mundo dentro do autocarro da Flixbus. Não conseguimos, mas chegámos ao Porto num instante. Aliás, a nossa viagem terminou em Gaia, mais precisamente na Afurada.

A cidade

Sempre achei que o Porto não fosse uma cidade, mas um conjunto de aldeias. A Afurada é um exemplo típico disso. Uma aldeia de pescadores, onde ainda se encontram mulheres a lavar roupa à mão e a estendê-la em grandes estendais à beira-rio. Tudo isto rodeado de alguns restaurantes de charme, outros mais rústicos, e outros ainda autênticos, frequentados por pescadores e varinas do Porto que nunca mudaram.
Uma mistura que convive bem e se integra, mostrando todos os prismas da cidade: pastel de nata de frango com vinho do Porto Cálem. Um microcosmo de contradições e beleza, entre o antigo e o futuro, entre a tradição e o que virá a ser.

A juventude e a música

O Corn foi-nos buscar à Afurada. No carro estavam uns amigos dele: um portuense e uma algarvia radicada no Porto. Dois jovens e profundos conhecedores de tudo o que a cidade tem de bom — entre o qual, claro, a renomada francesinha. Graças a Deus a Bibiana conseguiu chegar a tempo para comer connosco.
Perante um prato desses e uns finos, a conversa fluiu entre risadas, anedotas, tios alternativos e multifacetados, amores e desamores, anéis de casamento feitos de cordéis, um passado romanescamente reconstruído e um presente feito de encontros semi-casuais.
Tinha visto que no Porto ia haver um mega evento de samba, e a prenda maior foi que era mesmo ao lado de casa. Fui lá encher-me dessa energia boa que só os povos latinos sabem transmitir.
Resumindo: a risada é universal, a música une povos.

A prova

Fomos a pé para a prova; o hotel ficava mesmo ao lado. Com sorte — porque no dia anterior percorremos muitos quilómetros e as pernas já doíam. O frenesim antes da partida, as pessoas a prepararem-se, vestindo o fato, esperando ansiosas pelo barco que as levaria até à Ribeira, ponto de partida.
A nossa companheira Mayra devia chegar mesmo em cima da hora, mas uma série de imprevistos acabou por adiar a sua viagem, e nós estávamos ansiosos que conseguisse embarcar a tempo. A Bibiana tentou de tudo, mas ela acabou por não poder participar.
O barco partiu, e as margens do rio pareciam ainda mais belas com a luz prateada refletida no Douro: igrejas e casas transformavam-se em pontos impressionistas num quadro vivo.
Aportámos. Já havia nadadores na rampa da direita, com as suas toucas verdes e desenhos que resumiam a alma da cidade. A corrente nem parecia forte embora o Douro seja famoso por isso. Nós, como chegámos mais tarde, ficámos na rampa da esquerda, com a deslumbrante vista da ponte Dom Luís.
Soou o sinal surdo e longo da partida: braços, pernas, ondas provocadas pelas pernadas — um vórtice de caos que me engoliu e levou até ao cais, a mim e mais uns quantos nadadores. Quando dei por mim, estava agarrada a um cilindro, enquanto a corrente não me deixava avançar.
A Ana Rita ajudou-me, dando a mão e puxando-me para perto do canto do cais, a partir do qual podíamos voltar à prova. Esse início foi duríssimo: muito pânico e o medo de que pudesse acontecer de novo noutro ponto do rio para onde seguíamos. Já estava bem atrás dos outros, mas isso não importava — o essencial era que o coração voltasse a bater num ritmo normal.
Essa imagem do caos ficou-me na cabeça, assim como o pensamento de que a corrente poderia empurrar-me para debaixo dos barcos de cruzeiro que estavam ali. Não aconteceu. A corrente era forte, mas levava-nos para a frente.
Do meio da água, percorri todo o caminho que tínhamos feito no dia anterior. Parecia uma vida atrás: ali tínhamos tirado fotografias, ali encontrámos pescadores, ali estavam os autocarros de turistas, ali as meias, pela centésima vez, se enfiaram debaixo do pé. Passámos pela ponte da Arrábida, outro marco nessa nossa travessia.
E num instante já estávamos no final. Com um pequeno sprint (dos meus 😊), cheguei. A Mayra de nadadora top, virou fotógrafa top e fez uma bela reportagem de todos nós e, com ela, festejámos as chegadas de cada um da Swim4Fun.
Deu tudo certo: até o que parecia mal, no fim ajudou a que tudo acabasse bem. No fundo, é preciso ter resistência, foco e um objetivo que nos una.

A felicidade

Como se costuma dizer: objetivo alcançado.
Prova concluída, um almoço num restaurante de peixe da Afurada, um café no bar das peixeiras a ler o jornal, e nós estendidas ao sol no jardim do Palácio de São Roque, a olhar para as árvores, deitadas na relva. Passeámos por aqueles labirintos incríveis do jardim, até que umas crianças nos mostraram alegres o caminho da saída.
Essas crianças, na verdade, deveríamos ser nós.

Chiara Bedini

2 Comments

  1. José Marques

    No pódio dos artigos publicados no Swim4fun (dos que li).

  2. Que texto maravilho. Acabei por ser transportado também nesta bela viagem 🙂 Muito obrigado pela partilha!

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