Do Medo ao Ironman: Uma Jornada Entre Ondas e Desafios

Meu fascínio pelo mar sempre esteve comigo, talvez por ser filho e irmão de homens do mar – meu pai e meu irmão servem à Marinha do Brasil. Mas nem sempre foi um relacionamento fácil.

Eu tinha apenas 9 anos quando tive meu primeiro contato com a natação. Fazia aulas duas vezes por semana, depois da escola. Parecia promissor, mas essa fase durou pouco. Um episódio misterioso colocou um fim precoce a essa história.

Antes de uma das aulas, meu irmão e eu entramos na piscina para aquecer e nos divertir um pouco. Tudo parecia normal até que, de repente, senti como se milhares de agulhas perfurassem meu corpo. Meus músculos se contraíram de tal forma que fiquei paralisado no meio da piscina. Depois disso, minha memória falha. A única coisa que lembro é de estar perto da borda, com meu irmão ao lado, perguntando o que havia acontecido enquanto me ajudava a sair da água.

O tempo passou. Dezesseis anos depois, eu morava em Cascais quando me deparei com a estrutura do Ironman. Algo naquele evento mexeu comigo. Foi uma energia diferente, algo que nem mesmo o skate – meu esporte favorito – tinha me proporcionado. Naquele instante, decidi: um dia eu completaria um Ironman 70.3.

O tempo seguiu seu curso, e minha promessa foi ficando em segundo plano até que, certo dia, resolvi mudar isso de vez. Em vez de esperar pelo momento certo, inscrevi-me na prova primeiro – e só depois comecei a treinar. Assim, não haveria volta.

Foi então que percebi um problema que nunca havia considerado um obstáculo real: nadar em águas abertas. Não era nada parecido com atravessar os 13 metros da piscina de casa. A busca por ajuda me levou à Bibiana, minha primeira instrutora. E ela pode confirmar: eu não conseguia dar dez braçadas sem levantar a cabeça e me agarrar à boia.

As primeiras aulas foram uma mistura de ansiedade e empolgação. Para deixar tudo mais interessante, comecei a treinar em novembro – ou seja, frio, mar agitado e ventos cortantes eram parte do pacote. Paralelamente, decidi reforçar o treino na piscina. Toda quarta-feira, às 5h da manhã, pegava minha bicicleta e pedalava de Cascais até Oeiras para nadar. Chuva, vento, frio? Nada disso me fazia desistir. O cansaço e a fome eram constantes, mas o entusiasmo nunca diminuía.

Janeiro chegou e, com ele, os treinos sérios. Agora com treinador e planilhas, comecei a entender que o maior desafio de um Ironman não era a prova em si, mas a jornada até ela. Meu primeiro treino de três horas no rolo, seguido de alguns quilômetros de corrida e oito horas de trabalho em pé, na cozinha, me mostrou isso claramente. Mas também foi ali que finalmente compreendi o porquê daquela energia toda que senti ao assistir ao Ironman pela primeira vez.

Onze meses depois, não havia mais espaço para dúvidas. O treino tinha sido feito da melhor maneira possível dentro da minha rotina de trabalho. E lá estava eu, com os pés na areia da baía de Cascais, assistindo ao nascer do sol mais emocionante da minha vida. Senti as lágrimas vindo, mas a tensão as manteve presas.

A prova começou. A dor apareceu cedo, com cãibras já no primeiro metro da meia-maratona. Mas desistir nunca foi uma opção. Eu já tinha superado meses de treinos exaustivos, de pedaladas na chuva, de manhãs geladas no mar. Além disso, havia um detalhe que me impedia de sequer cogitar abandonar: assim que me inscrevi, comprei passagens para que meus pais viessem do Brasil me assistir. Eu sabia que, acontecesse o que acontecesse, cruzaria aquela linha de chegada – nem que fosse rolando.

No fim, nadar em águas abertas me trouxe muito mais do que um Ironman. Devolveu-me um sonho, transformou-me física e mentalmente e me aproximou de pessoas incríveis, das quais me tornei fã.

Agora, estou afastado das águas há algum tempo, mas a saudade aperta. Mal posso esperar para vestir o fato e sair do mar morrendo de sede, de tanto tomar água salgada.

Ruan Ruiz

3 Comments

  1. Jonatas O Ruiz

    Uma história verdadeira de conquistas e superações. Tudo isso evidencia o quanto você amadureceu e o homem resiliente que se tornou, moldado pela forja da vida real. Desde cedo, decidiu mudar seu futuro, um feito surpreendente, pois, enquanto muitos seguem os passos de seus pais e irmãos, você traçou seu próprio caminho. E isso não é algo negativo — pelo contrário, é digno de admiração. Tenho orgulho e prazer em dizer que sou seu fã. Isso, sim, é coragem: deixar o conforto do seu país, lar e família para desbravar o mundo, transformando em realidade o sonho de muitos.

  2. Luiziroze B O Ruiz

    Parabéns meu filho por toda dedicação e conquista, costumamos só ver os resultado final , sendo que pra chegar a um resultado não damos conta do caminho que se trilha muitas vezes de muito suor e dores estou orgulhosa de ti. Acredito que a minha missão de mãe esta sendo bem sucedida por ter você e aos teus irmãos formando seres humanos melhores naquilo que fazem , mostrando que valeu a pena a dedicação e acreditar em vocês, deixando-os voar ou melhor navegar por mares muitas vezes tubulentoa ou calmos , sabendo que o porto seguro vai sempre nos
    conectar . Te amo e tbm sou sua fã .

  3. Luis Claudio de Almeida Ruiz

    Muito me orgulha saber que você venceu os seus medos e transformou-os em combustível para superar todas as dificuldades e barreiras. Mostra que para você o ” eu não consigo” é apenas uma desculpa para aqueles que não perseveram nos seus objetivos. Tenho certeza que você lutará sempre pelos seus ideais e com certeza alcançará seus desejos, sempre com muita vontade e espírito de luta.
    Posso te dizer que além do prazer que nos proporcionou está ida a Portugal a maior realização foi ver você ali junto com aqueles competidores buscando seus limites, vencendo as dores e todas as dificuldades imposta naquele momento. Parabéns meu filho você é nota 1000 te AMO muito e estarei sempre torcendo pelas suas vitória e mesmo que elas não venham de imediato o mais importante é não desistir nunca. Estarei sempre do seu lado… mesmo que distante a mais de 10mil km.

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