Levantar os braços

Era 10 de julho de 2022 quando finalmente ouvi as palavras que ecoavam há meses na minha mente: “Luís Fraga, YOU ARE AN IRONMAN!” O epílogo de uma história que poderia não ter começado caso o meu tio António não estivesse lá para me resgatar de um afogamento, cerca de 25 anos antes.
Estávamos numa praia fluvial, cruzada por um daqueles rios que teimosamente se recusam a ser adjetivados de “calmos”. O sol batia forte, os meus primos desafiavam-me em corridas e mergulhos, e eu, embalado por uma coragem própria da idade, decidi atravessar o rio para a outra margem.
Lancei-me à água decidido. Braçada após braçada, avançava com convicção, acreditando piamente que o meu estilo improvisado não deixava nada a desejar a Mitch Buchannon da série Baywatch. A margem oposta aproximava-se e, por um momento, a vitória parecia certa.
Mas a natureza tem os seus próprios planos.
Nos últimos metros, um remoinho traiçoeiro não me deixava avançar, como se a corrente me quisesse lembrar quem mandava ali. Decidi dar tudo, pois já tinha passado há muito o ponto de não retorno. Nadei durante o que me pareceu uma eternidade, até não me restarem forças senão para gritar por socorro.
Ao primeiro grito, ninguém levou a sério. Ao segundo e terceiro, eis que o meu tio António começou a correr e mergulhou na minha direção. Nadou sem hesitar, como se aquelas águas lhe fossem familiares. Já estava perto quando gritou: “Levanta o braço!”
Essas foram as últimas palavras que ouvi antes de afundar e perder os sentidos.
Despertei com os seus braços a puxarem-me para terra. Seguiram-se as massagens, as mantas improvisadas e um banquete que devorei como quem regressa à vida. O corpo recuperou depressa; já o medo de voltar a nadar… esse demorou mais tempo a ser superado.


Curiosamente, o meu tio não era atleta, muito menos triatleta. Mas nadava. E nadava bem: em qualquer mar, em qualquer rio. Sabia, sobretudo, que nadar pode salvar, por vezes, literalmente.
Vinte e cinco anos depois, ao cruzar a meta do Ironman com os braços erguidos, percebi que aquela chegada era muito mais do que desporto. Era a confirmação de que o medo não é destino, que o passado não dita quem somos, mas pode moldar quem escolhemos ser. Que, às vezes, tudo começa com um gesto simples: levantar o braço.
Para pedir ajuda. Para agradecer. Para celebrar.
O importante, mesmo, é não baixar os braços.

Luís Fraga

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