Reflexão sobre a experiência
Embalados por termos completado com sucesso os 10Km da travessia SwimGP, de Oeiras a Cascais no passado mês de julho. No dia 1 de agosto, embarquei com o meu grupo Swim4fun com a Joana Paz e com a Mayra Gabriela na desafiante travessia a nado entre o Faial e o Pico, nos Açores. O objetivo era cruzar aquele canal mítico em grupo, o que foi uma novidade da organização deste ano, mas acabámos por ficar a menos de uma milha da costa do Pico, quando chegámos ao cut-off de 4 horas, e fomos “convidados a sair da água” devido à forte corrente e ondulação que se fizeram sentir nesse dia.

Fig.1 – A nossa equipa da esquerda para a direita, a Mayra, a Joana, e eu. A Maria à direita tentou a solo.
Apesar de não termos conseguido completar a travessia dentro do tempo-limite, a experiência revelou-se incrivelmente rica em ensinamentos que considero importante partilhar, tanto para quem planeia enfrentar desafios semelhantes, como para quem acredita no valor do desporto de aventura como caminho para o autoconhecimento.
Lições Aprendidas
1. A força do coletivo não substitui a estratégia individual
Nadar em mar aberto, especialmente com condições adversas como as que enfrentámos, exige mais do que resistência física ou técnica apurada. O planeamento estratégico torna-se fundamental, sobretudo quando se nada em grupo. Ao lidar com correntes e ondulação, o entrosamento do grupo e a tomada de decisões partilhadas — como quando parar para alimentar ou ajustar o ritmo — são cruciais. Sinto que acabámos por ter uma estratégia coletiva pouco reflectida e isso compromete o tempo e a eficiência, por mais forte que seja a equipa.
2. O skipper é parte da equipa — não apenas o condutor do barco
Uma das grandes lições foi perceber que o skipper não deve ser visto apenas como o responsável pelo barco de apoio. Integrar o skipper desde as fases de planeamento é essencial, pois o seu conhecimento do mar e das regras pode ser determinante para adaptar a estratégia em função das condições reais do dia da travessia. Como foi a nossa primeira travessia, tivemos um skipper atribuído pela organização, que são todos voluntários mas, não nos conhecíamos e nem tivemos tempo para o fazer.

Fig. 2 – Percurso feito pelo nosso amigo Alexandre Sequeira, em solo, em 2024.

Fig. 3 – Percurso feito pela nossa equipa (Strava) vs percurso ideal (8km) vs percurso recomendado.
3. Homogeneidade de ritmos importa
Quando o grupo apresenta ritmos, resistências e objetivos muito distintos, a progressão torna-se mais lenta e desgastante. A heterogeneidade obriga a constantes micro decisões e dificulta a manutenção de um ritmo eficaz, o que pode prejudicar o desempenho global e o moral da equipa. Isto acabou por acontecer, porque no nosso grupo temos ritmos diferentes, que advém sobretudo de rotinas de treino muito diferentes, a Mayra e a Joana treinam open water juntas às quartas, e eu aos domingos, o que não me permitiu termos mais do que um ou dois treinos conjuntos, o que se revelou insuficiente.
4. As pausas contam — e muito
Durante a travessia, o intervalo de cada paragem para hidratação foi longo, dado que em equipa a complexidade aumenta o que resultou em quebras de ritmo. A corrente persistente dificultou muito o progresso, como é possível observar no percurso registado pelo Strava; em cada paragem para reabastecimento, o grupo era deslocado várias dezenas de metros em direção ao oceano aberto. Idealmente, as pausas deveriam acontecer a cada 40-50 minutos, com uma gestão de apoio rotativo para minimizar o tempo parado e maximizar a eficiência e com uma pessoa no barco dedicada a essa função, dado que o skipper tem uma missão, que é pilotar a embarcação.
5. Checkpoints ajudam a gerir o tempo — não só a distância
Definir objetivos claros de tempo para cada etapa teria facilitado a avaliação do nosso progresso. Com checkpoints temporais bem definidos, seria possível perceber antecipadamente eventuais atrasos e ajustar a estratégia em tempo útil, evitando surpresas desagradáveis perto do fim, em que puxámos muito quando já era claro que não iriamos conseguir chegar dentro do cutoff. Isto só seria possível, com um segundo elemento no barco, junto com o skipper, dedicado a essa função.
6. Preparação alimentar e física
A preparação nas vésperas da travessia, com especial atenção à alimentação, hidratação, foi exemplar. Sentimo-nos física e mentalmente preparados, o que demonstra que a base estava sólida. No entanto, ficou claro que, no dia, é fundamental afinar o plano de alimentação para responder aos imprevistos do mar.
7. Faltou espírito de grupo entre as equipas
Apesar do bom ambiente dentro do nosso barco, notou-se uma certa distância entre as várias equipas participantes, quase um grupo de desconhecidos. Uma travessia deste género é também uma celebração do espírito de camaradagem e superação coletiva. Teria sido enriquecedor um maior incentivo da organização ao convívio prévio e partilha entre todos os nadadores – o que também não nos iliba de não termos participado no convívio pós-prova.
8. A importância do descanso adequado
Tenho tendência a não conseguir dormir muito bem antes de provas importantes, e obviamente que também foi o caso. Ficámos na casa de um amigo, e o quarto não tinha persianas, e estava literalmente colado à estrada, resultado, uma noite em claro. Uma vez, numa prova, um amigo disse-me algo que me tranquilizou, que uma noite mal dormida antes da prova não influenciava negativamente, isto se tivéssemos treinado adequadamente antes desta, o que não foi obviamente o caso.
9. Recuperar adequadamente de lesões e mazelas
Decidi fazer a prova com uma lesão no ombro, uma tendinopatia que ainda não está totalmente debelada. Lutei contra a dor durante as 4 horas da prova. A Joana também vinha de um recém operatório ao tornozelo. E fazer uma prova desta natureza e com esta carga, deve ser feito com a recuperação estabilizada. É duro de interiorizar, mas devemos respeitar os limites do corpo.
10. Reservar espaço para o debriefing a sério
No próprio dia, depois da prova, ainda tivemos algum tempo para falarmos já chegados ao Faial. Mas, a verdade é que estávamos tão cansados, e desanimados, que não tivemos muito vagar para o fazer. Aqui, vale a pena agendara antecipadamente uma sessão de debriefing de prova, talvez até com outros atletas, no final do dia, ou no dia seguinte, para se fazer uma sessão quase terapêutica daquilo que correu bem, do que correu mal e queremos parar, e do que gostaríamos de começar a fazer para uma próxima prova do mesmo género.

Fig. 4 – A minha cara de total esgotamento e desapontamento. A Mayra ainda teve energia para sorrir para a câmara
Conclusão
Atravessar o canal Faial-Pico a nadar foi, acima de tudo, uma experiência de aprendizagem. Nem sempre o sucesso se mede pela chegada à meta, mas sim pelo que se retira da jornada, até porque tanto, quanto apurámos, só houve uma equipa a terminar a prova com sucesso. Pessoalmente, sai desta travessia com respeito acrescido pelo mar, pela importância da estratégia, pelo valor do grupo e pelo poder das pequenas decisões. Que estas lições sirvam de inspiração e orientação para futuros desafios — meus e de quem lê este relato.
A nossa equipa teve uma participação muito corrida, viajamos de véspera, e voltámos no próprio dia, por motivos familiares e de agenda de cada um, mas uma prova destas merece que se seja mais generoso com nós próprios e que possamos aproveitar melhor o pré e o após prova, marcando presença no convívio e entrega de prémios, e aproveitar para conhecer melhor aquelas ilhas que são lindas, e quem sabe uma subida ao Pico.
E claro, a parte mais positiva, foi que ficamos com uma história para contar, no avião de regresso a Lisboa, sentei-me ao lado de uma senhora e da neta, e ela contou-me que se lembrava da quando há quase 60 anos, outro nadador tinha conseguido esta “proeza”.
Os espanhois tem um ditado que acho particularmente adequado, que diz “La montaña no se mueve.” e é caso para dizer, que o Pico vai lá continuar para quem o quiser alcançar a nado, a solo ou em equipa!

Fig.5 – fotografia tirada da varanda do nosso apartamento, com o canal e o Pico em fundo
André Marquet
