Do 1K de Medo aos 10km de Reconstrução

Aprendi a nadar aos sete anos. A água era meu lugar seguro, era abrigo, minha fuga, o lugar que sentia que sabia fazer algo bem feito e era tão simples quanto nadar. Participei da equipe de competição até os 16, fiz amigos que me acompanham até hoje, foi minha base, onde muito aprendi sobre força de vontade, trabalho duro e resiliência. Durante a faculdade nadei por alguns meses. A natação ficou em pausa, mas nunca deixou de ser parte de mim.


Em 2022, pós pandemia, emocionalmente distante de quem eu sou, comecei a frequentar o ginásio. Foi lá que reencontrei a piscina. Por acaso, nas redes sociais tive conhecimento da prova LIDL Swim Challenge.
Sem nunca ter nadado nas águas frias e profundas de Portugal, sem conhecer ninguém que praticasse natação no mar, sem saber nada sobre equipamentos ou preparação, após alguns videos no youtube sobre nadar no mar, decidi que estava pronta para nadar 1000 metros.
Na véspera, descobri que precisava de um fato térmico. Nunca tinha vestido um. Encontrei um usado e fui buscá-lo poucas horas antes da prova. Tudo parecia se encaixar para ser uma boa experiência. Doce ilusão.

Não fazia ideia do que era me afastar da costa. Não sabia o que era uma largada em águas abertas, o contato físico, o efeito revoada na partida, a gola apertada do fato no pescoço, a água congelante. E então, a pergunta que me acompanha nas provas até hoje surgiu pela primeira vez:

“O que vim fazer aqui?”


Quis acreditar que bastava começar que tudo ia melhorar. Fiz o contorno da primeira boia… A segunda parecia infinitamente distante. O pontão de Cascais se afastava, na minha cabeça a costa sumia, o era fundo invisível, uma escuridão.

Hoje sei que o mar estava calmo, quase sem ondas. Mas naquele momento, parecia e era uma tempestade em mim.
Tentei me segurar num caiaque para sair da prova — sem saber que era o bote dos Iron Brothers. Sim… eu fiz o desfavor de me pendurar no bote deles. Fui avisada para soltar. O desespero bateu, me senti despreparada.. – Como eu saio daqui? Esta tudo errado, e agora?!!?!?!

Naquele momento percebi que estava perdida.. entrei na água sem saber porque, cheguei até ali e senti Medo.. apesar da quantidade de caiaques e motas da água que me cercavam eu não conseguia ver, tão pouco perceber que está sendo acompanhada.. e por mais dramático que pareça o filme da vida passou pela minha mente, o medo de ficar ali sozinha, senti que não era capaz, que não tinha força, que ia morrer ali.. Chegou um caiaque, eu pedi para me tirar da água, e veio a mota da água para me levar.. e foi uma conversa de poucas palavras, resumindo “Vou te acompanhar o tempo todo. Você consegue.” Uma pessoa que me via pela primeira vez acreditava em mim, algo que eu mesma não era capaz de fazer… Relutei, mas tinha de continuar. Parei mais algumas vezes. Nadei costas, bruços, cachorrinho… via as pessoas tão distantes. Me sentia fracassada. Nos últimos metros, com apoio da mota da água que cumpriu o combinado e me incentivou até o fim, consegui fazer algumas ultrapassagens. Foram 34 minutos e 57 segundos que pareceram horas. Chorei muito. E ali tive certeza: pela segunda vez, a natação mudaria minha vida.

Durante mais de um ano, tentei ressignificar e encarrar tudo que essa experiência me trouxe à tona não só dentro da água, mas dentro de mim.
Em agosto de 2023, decidi voltar às águas abertas — dessa vez com preparo. Me inscrevi em uma escola de natação. Conheci pessoas incríveis e parceiras de vida! No mês seguinte, encarava novamente LIDL Swim Challenge agora pra fazer os 1.9km, ainda em processo de me encontrar, mas segura de que estava no caminho certo e sempre bem acompanhada.

De 2023 até hoje, foram mais de 35 provas de águas abertas, em distancias que vão de 1500m a 10.000m, no ultimo ano foram mais de 200km nadando juntas, circuito e campeonato nacional, circuito do algarve, Faial-Pico, rios e barragens por todo lado em Portugal, ja são anos de “carroterapia” rss, como choro as vezes e sempre muita risada, em que na volta de cada prova, descobrimos uma nova meta para os próximos anos..

E em 2025, voltamos ao Swim Challenge (agora Swim GP) não mais para encarar os 1000 metro onde iniciei.. e sim para fazer a minha maior distância (por enquanto..), foram 10km de nado em 4h35min… em um mar nada amigável.. nada a favor e um vento contra e ali tive a certeza que o mar em que nadei os 1000m em 2022 era mesmo uma piscininha!!

Perdi muitos medos e a necessidade de controle (esquece lá isso em AA, no máximo é saber o que fazer se algo der ruim), me encontrei, entendi como me sinto livre e pequena na água, e principalmente como me sinto PRESENTE no momento, aprendi que não estava nem estou sozinha dentro e fora da água, entendi que não ter pés não é o maior problema para quem sabe nadar (ainda mais quando sempre se tem alguém por perto a tocar seus pés), aprendi a confiar que nas provas estamos seguros e é de verdade só nadar, criei minha rotina, meu processo de preparação, entendo o que posso/devo fazer em cada situação.. encarei os animais que habitam a água.. (ainda com receio, e sempre com muito respeito), superei o que talvez tenha sido meu maior desafio.. estar “sozinha” com os meus pensamentos. Encontrei o “Fun” na natação!!

Nadar me trouxe pertencimento. Trouxe pessoas que compreendem como o desafio e a superação podem ser brutais — dentro e fora da água. A natação me ajudou a repensar prioridades, a me colocar no centro de algumas decisões, a reorganizar minha vida e a da minha família, que precisou se adaptar ao barulho das 6h30 da manhã, quando saio de casa para treinar, as provas de norte a sul, a ausência em alguns fins de semana, aos fatos/luvas/pés pendurados quase que a semana inteira para secar, as duas mochilas preparadas com tudo (e mais um pouco) na véspera dos treinos.. e o treino é so o 1° turno, e mal saio da água, ja tenho de correr para o trabalho. É uma logística difícil — ainda mais sendo imigrante com três filhos — além das mil outras coisas que invento de fazer no caminho (como tirar a certificação de treinador de grau I!). Mas o prazer de estar em movimento na água, o silêncio inquietante, o presente que o mar oferece.. tudo isso compensa. Cada dia na água traz uma sensação diferente. Posso nadar na mesma praia todos os dias — mas nunca será a mesma água. Assim como eu, que nunca mais serei quem fui ontem..

E você “o que veio fazer aqui”?

@mayskipgmail-com

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